Na versão do advogado, Bolsonaro não é cúmplice nem culpado, apenas bobo

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Jair Bolsonaro não sabia que Fabrício Queiroz estava guardado num imóvel do seu advogado Frederick Wassef, em Atibaia. Quem declara é o próprio Wassef. Aliás, o doutor falou à Folha como se tivesse albergado um desconhecido no refúgio em que deveria funcionar um escritório de advocacia: “Nunca telefonei para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua família. Isso é uma armação para incriminar o presidente.”

Na prática, Wassef pede à plateia que desconsidere a hipótese de o presidente ter feito algo de errado no caso da rachadinha, estrelado pelo primogênito Flávio Bolsonaro. Nessa versão, o capitão não é culpado nem cúmplice, apenas bobo. Na campanha de 2018, levou na conversa 57,7 milhões de eleitores. Hoje, comanda a nação como um atoleimado. Costuma-se dizer que o brasileiro não tem memória. O caso de Bolsonaro seria diferente. Falta-lhe curiosidade.

Wassef tornou-se frequentador assíduo do Planalto e do Alvorada. Cruzou os portões do palácio residencial inclusive em finais de semana. Mas assegura que não conversou com o Bolsonaro sobre o drama penal de Flávio. Nenhuma palavra sobre Queiroz. Se o presidente lhe perguntasse algo a respeito do amigo de mais de 30 anos, passaria vexame. “Que Queiroz? Um cabeludo, meio gordinho?”

A primeira tentativa de explicação de Wasseff chegou com três dias de atraso. E o advogado dos Bolsonaro ainda não consegue explicar o que fazia Queiroz no seu imóvel. Insiste na tese de que os investigadores preparam uma armação contra o presidente da República.

O doutor disse o seguinte à CNN: “Se bater no Fred atinge o presidente. Eu e o presidente viramos uma pessoa só. Então, todos estão empenhados em atingir minha vida, em destruir minha vida, minha imagem, minha reputação. Mas vão cair do cavalo, que eu nunca fiz nada de errado na vida.”

A exemplo do seu advogado, Flávio Bolsonaro prefere dar asas a teses extravagantes a fornecer explicações sobre os crimes de que é acusado: peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Reúne tudo sob o guarda-chuva de uma hipotética “perseguição política”. Coisa urdida para prejudicar o governo do seu pai.

Preso, Queiroz prestará depoimento pela primeira vez. Até aqui, fugia das intimações. Falou no processo apenas por escrito, no ano passado. Admitiu o que já era inegável: parte da movimentação milionária farejada pelo Coaf em sua conta bancária vinha da apropriação de nacos dos salários de assessores do antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

Queiroz confirmou que beliscava os contracheques da turma do gabinete. Alegou que usava o dinheiro na contratação informal de pessoas que trabalharam em favor do engrandecimento do bom nome de Flávio Bolsonaro nas suas bases eleitorais. Flávio, naturalmente, não sabia de nada.

Na petição encaminhada ao Ministério Público, a defesa de Queiroz anotou: “Por contar com elevado grau de autonomia no exercício de sua função, resultante de longeva confiança que nele depositava o deputado [Flávio Bolsonaro], o peticionante [Fabrício Queiroz] nunca reputou necessário expor a arquitetura interna do mecanismo que criou ao próprio deputado e ao chefe de gabinete.”

O sucesso da fantasia estruturada pelos advogados depende do talento de Flávio Bolsonaro, agora acomodado na poltrona de senador da República, para a autodesmoralização. O filho se esforça para convencer o Brasil de que não é aquele jovem astuto que todos supunham. Na verdade, não passa de mais um cego atoleimado. Uma evidência de que quem sai aos seus não endireita.

Quer dizer: a menos que a anormalidade atual seja quebrada por uma delação, a volta de um descaramento típico dos governos petistas fará com que o “eu não sabia” passe à história como uma espécie de frase-lema do Brasil da lama. A expressão será lembrada quando, no futuro, quiserem recordar a época em que o país era regido pelo cinismo.

Lula usou o “não sabia” nos escândalos do mensalão e do petrolão. Citando-o, o tucano Eduardo Azeredo repetiu o bordão antes de ser condenado e preso no processo do mensalão do PSDB mineiro. Dilma Rousseff reincidiu na citação quando alegou que não tinha ideia de que os aliados plantavam bananeira dentro dos cofres da Petrobras.

Ao plagiar o bordão que diziam abominar, os Bolsonaro empurram os brasileiros que ainda lhes dão algum crédito para uma fase de ceticismo terminal.

Josias de Souza

Colunista do UOL

Edição – Wilson Barbosa